“Talvez haja amoras maduras à entrada da noite”
O novo livro de Graça Pires: entre o feminino, a natureza e a disciplina poética
Aprende-se a gostar da poesia de Graça Pires. Pelo menos, foi assim comigo. Tem um sabor clássico, mas permanece fresco, incorporando a claridade de Sophia, o rigor de Luíza Neto Jorge e um travo do estilo trágico-romântico que recorda a intensidade melancólica de Sylvia Plath. Ao longo da sua longa trajetória literária, Graça Pires explorou várias formas de expressão — como se nota ao folhear a sua coletânea “Poemas escolhidos 1990-2011” (2012) —, mas manteve sempre uma coerência imagética: o eterno feminino e a natureza servindo de mote ou destino. Ambas as inspirações reconhecem-se nestes dois excertos:
“E são delicados / como cambraia bordada / por mulheres caladas / que carregam no sangue / misturas insubmissas / de vida e de morte.”
“Diz-me a brevidade / das fogueiras acesas / sobre a areia húmida / na hora em que a febre e o sal / alucinam o vento.”
Nos primeiros poemas deste novo livro sente-se um arrumar da casa, a preparação para um novo ciclo. A sua poesia não vive num aquário fechado, mas num mar aberto, sensível às marés e às tempestades — sejam sociais ou íntimas — que todo o barco enfrenta. É visível, a partir destas páginas, uma disciplina implacável, quase pedagógica, nesta comunidade de poetas — às vezes belicosa, como todas as irmandades desde Abel e Caim — que se reconhece no ofício da palavra.
“De mãos dadas/ como se fôssemos/ meninos com gula/ íamos pelos taludes/ à procura de amoras//(...) Vamos de novo amor/ antes que sequem no coração/ as amoras da juventude.”
Nos versos de Graça Pires, a paixão amadureceu e transformou-se em amor, e o que antes era contingente tende agora para o absoluto:
“A noite recupera na sombra olhares crentes no regozijo quase absurdo das manhãs luminosas. // Encontro absoluto com a luz em delírio no horizonte.”
Como lembra Adriano Moreira, “as coisas acabam antes de acabarem”, e Oscar Wilde acrescenta: “Se a moda não fosse horrível, não mudava a cada seis meses”. Assim, Graça Pires afirmou-se num estilo próprio, conquistando leitores sem truques modistas ou happenings efémeros. Resistiu aos solavancos dos estilos e manteve uma voz fiel a si mesma, que continua a amadurecer.
Por isso, longa vida à sua poesia — porque, como ela escreve:
“Antes das grandes sedes/ já um deserto ameaçava/ nossas bocas/ ávidas do frescor dos frutos.// Meu amor/ talvez haja amoras maduras à entrada da noite”.
"Talvez haja amoras maduras à entrada da noite" (65 páginas, ano 2025)
Graça Pires
Poética Edições